5 de agosto de 2009

Afonso Tavares Coronel

Nada mais, nada menos do que Afonso. Afonso Tavares Coronel. Foi o nome que lhe deram. Quem? Os que por ironia do destino ou prazer paternal, nunca o saberemos, o ofereceram ao mundo. Sem papel de embrulho aquando do primeiro choro, mas desenvolvendo uma película psicológica dos mais diversos tons à medida que atingia as medalhas de ouro, prata e bronze da vida.
Da infância pouco se recorda este Afonso que agora, setenta e dois anos depois, se encontra na cadeira de baloiço colocada estrategicamente sob as videiras de uvas tintas que dão sombra ao pátio de cimento esverdeado de musgo. Desconfia, pelo que ouviu falar na família, que foi uma criança feliz. De sorriso aberto lembra quando era o seu avô o homem do chapéu castanho baloiçando ao som dos chilrear dos passos. Deve ser a sua primeira memória não construída. Não tinha mais de sete anos. Talvez tivesse menos. Sentava-se no chão quente que na altura era ainda cinza. Não havia ainda a sombra das parras e, por isso, alguém mandara colocar sobre a mesa do pátio um grande toldo de pano laranja para cortar os raios solares que não preocupavam grandemente as mentes hipocondríacas dos anos 40. Pernas traçadas, camisa e calções presos por suspensórios é como se vê. Todas as tardes, no horário de almoço da escola, depois da refeição ia para junto do avô e ouvia-o contar as histórias da Guerra, a primeira e a segunda. As histórias dos grandes ditadores, dos grandes heróis e dos pequenos soldados (brinquedos nas mãos do mundo). Recorda-se de sonhar vir a ser alguém. Não um daqueles insignificantes soldadinhos de chumbo (como os julgava) mas sim um dos grandes. Não fazia distinção entre bons e maus. Queria apenas ser falado, contado nas histórias que outros rapazinhos iriam ouvir.
Mas o sonho esvai-se, como sabem todos os que vivem. E o rapazinho levantava-se, com olhar pensativo, e voltava à escola para as aulas da tarde. Sabia, porém, que mais se aprende no mundo do que na escola. Sabedoria perigosa esta, para uma criança que começara a primeira classe há poucos meses. Como seria de esperar, enquanto o professor, dono dos seus quarenta e poucos anos discorria matéria como o rio corre para a foz, o pequeno Afonso criava bichinhos na cabeça e imaginava os anos de grandes peripécias que iria enfrentar.
Mas logo cedo, o professor atento, o repreendia pegando na tábua esburacada e espancando a pequena mão frágil da criança. O pequeno Afonso retomava então o que a ele parecia inútil.




(P.S. Um dia há mais...)

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